domingo, 14 de março de 2010

Em Buenos Aires, os dias ficam mais longos quando chega setembro. Você nunca pensou nisso, não é? E por que deveria? Então, num fim de tarde, você está na rua por volta das sete e nota que ainda há um pouco de luz no céu. É uma luz bastante peculiar. Apaga-se bem devagar, desprende-se dos sombrios edifícios de escritórios, das altas vidraças, quase matiz por matiz, para num último momento imobilizar-se: rosa pálido que interfere num azul já cinza-aço. Essa imobilidade é certamente uma decepção. Enquanto dura, enquanto você pensa que dura, é como se o trânsito nervoso e as vociferantes lojas de disco fossem se afogando naquela magia suspensa. Mas para quê? Antes que você ache uma resposta, ou suspeite de que não haja nenhuma, ela já se foi: o céu está azul-escuro, as pessoas ao seu redor mudaram.

(...)

Começa com a luz, é claro, mas depois, se você continuar nessa parte da cidade, na Avenida Corrientes, entre as ruas Florida e Alem, vem a brisa. Com um sopro, ela alivia a tarde do calor que recua lentamente. Embora não seja salgada (como poderia ser? Impressionados com sua extensão, os descobridores chamaram o rio de Mar Doce...), é uma brisa com cheiro de cais, saturada pela ferrugem de embarcações velhas, com promessas de viagem.

(...)

Os entardeceres no fim da primavera podiam ser hipnóticos. Nessa hora do dia em que a luz vacila antes de se desvanecer, e a noite se anuncia, antes mesmo que se possa falar de brisa, com uma simples leveza no ar, como você gostava de observar os movimentos, recém-descobertos, embora anualmente repetidos, que prenunciavam o verão...

Que envolvente sentir aquelas mudanças quase intangíveis ao redor, enquanto a cidade punha em cena multidões anódinas. Que fácil ficar ali.

Observar. Sentir. Ficar.

- Edgardo Cozarinsky, (Shangai Blue), Vodu Urbano

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